quinta-feira, 19 de julho de 2012 4 comentários

Quadros de um dia.



Cinco e vinte da manhã, toca o despertador, hora de levantar da cama, hora em que olho pela janela do quarto e me encontro com o belo amanhecer. O sol vem nascendo devagar e já posso sentir seu calor e seu brilho reinar no céu azul. 

Nas poucas nuvens, encontro formas, abro um sorriso por imaginar o desenho de Deus na maior nuvem  que cobre o céu. Um encontro com o divino nas primeiras horas de um dia lindo. Um belo quadro pintado em minha janela.

Horas depois, me sinto perdido, sem chão, sem uma explicação para a nova pintura que se apresenta em meus olhos, um quadro que fere a alma, um quadro somente com cores negras. 

Chego ao terminal de ônibus e o pregador com seu megafone anuncia o calor, não do sol que brilha, mas de um suposto inferno que espera a todos. No chão, minguados em suas camas de papelão, velhinhos são ignorados em meio às filas dos que esperam o transporte superlotado.

Uma criança toca minha mão e me olha tristemente; pedindo somente para que eu compre sua pastilha para ajudar sua mãe doente, chega mais outro e diz que é para pagar o aluguel do barraco onde vivem. 

Ao longe, ouço o rugido do jovem pregador, que não fala mais do inferno, prometendo cessar o sofrimento daqueles que se ajoelharem e prosperidade para os que seguirem a Jesus fielmente.

Enquanto espero o ônibus, observo uma criança fumando crack, uma senhora pedindo ajuda para seu esposo deficiente e um jovem alcoolizado.
Sem forças faço a minha oração: “Pai, não tenho sido tua expressão nessas vidas, não tenho sido teu abraço, não tenho sido teu sorriso, teu amor”.

Antes do amém, a multidão me arrasta para dentro do ônibus. Antes do fim do dia, anestesiado, me perco nos meus afazeres. Em casa, relembro das cenas que me entristeceram nesse mesmo dia.

Deitado, decido orar e adormeço. Assustado, acordo e afirmo: “Teu amor, Deus, não é expressado através de mim, não sou digno de ser tua morada”.

O Deus de amor faz morada nos olhares solitários dos que buscam um ombro amigo, se abriga no silêncio das crianças violentadas, chora a lágrima da mãe que carece de pão para alimentar o filho.
 
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