Desafinado sou. Minha irmã tapa os ouvidos todas as vezes
que cantarolo pela casa. Sigo a melodia, mas o tom passa longe de existir.
Invejo os que cantam por puro dom. Deleito-me na voz suave cantando as poesias
cotidianas.
Existe pássaro que canta desafinado?Juro que ainda não o
ouvi e duvido que possa existir. O bem-te-vi que canta no meu telhado nunca
desafinou e nem mudou a música. Sempre a mesma melodia, sempre o mesmo ritmo e
tom. Sem a ousadia de uma improvisação sequer.
Sou desafinado também no discurso. Canto arranjos
desconhecidos e desagradáveis. Variando os tons. Altos e Baixos. Gritos e
Silêncios. Canto o que sou e com a alma que tenho. Sou o desafino.
Minha completude não se resume a uma única nota. Não sou
apenas um compasso e nem você é. Por vezes caminho vagaroso e lento, como quem
tem preguiça em uma segunda-feira. E com uma leve alegria, Allegreto, danço
sozinho e me abraço com o vento no meio da semana. Vivo começo e me sentir.
“Vivace, Vivace” cantarolo pelos ares da casa. Ao lado minha irmã faz uma
careta e tapa novamente os ouvidos me lembrando do quão detestável é o meu
cantar.
Mas lembro do velho Tom: “Você com sua música esqueceu do
principal, que no peito dos desafinados no fundo do peito bate calado. Que no
peito dos desafinados também bate um coração.”
Coral com 200 vozes, segundos antes da apresentação. Olhares
atentos no regente. Sabem a letra de có e em que entonação cantar. Começam! Tudo
perfeito. Porém estou ao lado e junto começo a canção. Todos param. Pobres
coitados! Não sabem que a vida possui seus dissonantes.